Sobrevivente de massacre em Suzano teme voltar à escola

Sentado no sofá e com o pé direito em cima de um banco, o estudante Leonardo Martinez Santos, de 16 anos, joga videogame e está aprendendo a tocar violão, atividades que o têm ajudado a passar o tempo e esquecer por alguns instantes o que vivenciou durante o massacre na Escola Estadual Professor Raul, em Suzano.

Por 40 dias, ele não pode andar, mas, mesmo se pudesse, diz que não sabe se conseguiria entrar em uma escola. “Não sei se estou preparado. Falta segurança em todas elas. Eu preciso entrar e sentir como vai ser”, avalia.

Leonardo está em casa há uma semana, se recuperando da lesão no pé, que quebrou quando caiu de cima de uma árvore ao tentar pular o muro da escola. “Eu estava ao lado da primeira pilastra que fica logo após a escada da entrada. Quando ouvi os primeiros tiros, eu pensei que era alguma bomba. Mas logo veio muita gente correndo, e eu fui em direção à grade que dá acesso à quadra da escola”, relembra.

Em seguida, Leonardo subiu em uma árvore que fica rente ao muro da escola, se agarrou em um galho que termina já na parte de fora do prédio, mas a mão se soltou e ele caiu. Com o acidente, machucou o pé.

“Na hora que eu consegui sair, a minha mãe me ligou, assim como ela costumava fazer. Na hora eu já falei que não estava tudo bem, porque tinha gente atirando dentro da escola. Continuei andando na rua até que um pessoal de um consultório de dentista me abrigou e ajudou até a hora que a minha mãe chegou”, conta.

Eles foram até a casa da família para que o pai pudesse levá-lo ao Hospital Luzia de Pinho Melo, em Mogi das Cruzes. Segundo ele, lá, a equipe foi bastante solícita e logo o atendeu. “Eles me levaram para fazer os exames e me prepararam para a cirurgia, que foi no dia seguinte, na quinta-feira. Depois eles me disseram que, por pelo menos 40 dias, eu não posso colocar o pé no chão”, diz.

No hospital, o quarto em que o estudante ficou não tinha televisão. O celular dele também quebrou durante a queda da árvore. Depois de dias sem se informar sobre o ataque, no sábado, ele conversou com o pai e comentou que conhecia uma das vítimas fatais. “O meu pai me mostrou quem eram os mortos, e aí eu vi a foto do Douglas Murilo. Ele ficava algumas vezes com a gente no intervalo”, conta.O abalo

Mesmo que pudesse andar, Leonardo diz que talvez ainda não conseguiria retomar a vida normalmente. Ele não viu pessoas mortas pela escola nem a ação dos dois assassinos que covardemente atacaram a Raul Brasil. Mas a sensação de insegurança o abala. “Eu não sei como estão os outros alunos, mas isso que aconteceu conscientiza a gente de como falta segurança na escola. Isso mexe com a gente. Os meus irmãos estudam em outra escola. Até hoje eles ainda não quiseram voltar às aulas”, conta. 

Na quarta-feira (20), Leonardo e os irmãos gêmeos Lucas e Vinícius, de 12 anos, começaram a terapia com uma psicóloga da rede municipal de Suzano. Ela foi até o apartamento da família em um condomínio no bairro Monte Cristo.

“Eu sei que a vida tem de seguir. A terapia vai me ajudar a voltar assim que eu puder andar de novo. Espero terminar os estudos ainda neste ano e conseguir uma bolsa para cursar administração de empresas”, conta.

Das coisas simples do dia a dia, o estudante e torcedor do São Paulo diz que sente falta de poder jogar bola com os amigos do condomínio. Enquanto não pode, se contenta em brincar de videogame com o pai e os irmãos. “Tudo isso me ensinou que a vida é muito passageira, e a gente tem que dizer que ama aquelas pessoas que verdadeiramente a gente ama. Quantos alunos ali não esperavam voltar para casa e almoçar com a família e não puderam? A lição que fica é que a vida é muito rápida e a gente tem que amar”, pontua. 

Sobre a segurança, a Secretaria Estadual de Educação informou que as escolas “contam com a ronda escolar feita por policiais que circulam de viatura pelo entorno das escolas durante o período das 6h às 22h. Cada viatura atende um raio que atinge entre uma a oito escolas.”

Ainda de acordo com a secretaria, os procedimentos de segurança nas escolas estaduais estão sendo revisados, mas os desafios da segurança pública vão além.

“Estamos fazendo uma série de revisões dos procedimentos de segurança nas escolas, com o apoio de especialistas e do comando da Polícia Militar, mas não é apenas isso. Colocar policial na porta da escola e segurança não resolve essa questão. Em primeiro lugar precisamos cuidar das pessoas e olhar com atenção para o que ocorre na sociedade”, explica o secretário estadual de Educação, Rossieli Soares da Silva.O lado pai

No dia do atentado à Escola Raul Brasil, o músico Gemínio Gomes Santos, de 38 anos, estava em casa quando a mulher chegou e o avisou que precisavam levar o filho ao médico.

“Eu não tinha ligado a televisão ainda e, na hora, o meu primeiro instinto foi falar para o Leonardo que ele tinha de tomar mais cuidado ao andar pela rua, jogar bolar, para não acontecer isso com o pé dele. Mas aí ele me contou o que realmente aconteceu e eu não sabia nem como reagir”, diz.

Já no hospital o pai conta que começou a ter noção de tudo o que havia acontecido e passou a agradecer pela vida do filho. “Não falta só segurança nas escolas, falta também apoio psicológico. Quantos professores a gente não vê que param de dar aula porque ficam com depressão? Não é o momento do Estado pensar que a escola é um lugar que precisa de atenção psicológica? Talvez isso pudesse ter evitado uma tragédia dessas”, conta.Reinício das aulas

A Secretaria Estadual de Educação ainda não definiu quando as aulas vão voltar na Escola Estadual Raul Brasil. Desde a semana passada, os estudantes participam de homenagens e atividades de acolhimento. Nesta terça-feira (26), o colégio voltou a ficar aberto em horário regular, das 7h às 18h.O ataque

Os assassinos de 17 e 25 anos mataram sete pessoas na Escola Estadual Raul Brasil, na quarta-feira (13). Um deles baleou e matou o próprio tio, em uma loja de automóveis. A investigação aponta que, depois que foram encurralados pela polícia, um dos assassinos matou o comparsa e, em seguida, se suicidou.

A polícia e o Ministério Público tentam identificar se mais pessoas estão envolvidas no massacre de Suzano. No dia 19 de março, um adolescente de 17 anos foi apreendido por suspeita de ter ajudado a planejar o ataque.

O advogado do menor, Marcelo Feller, afirmou que seu cliente fantasiou o crime, mas não ajudou os assassinos a executá-lo.

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